Jefferson Patrik Germinari
Alguém aqui conhece a história das DANDARAS? Vou começar este primeiro contato falando de uma das Dandaras... a Dandara de Palmares...
Foi esposa de Zumbi dos Palmares, líder de um dos maiores quilombos do período colonial; ela dominava a arte da capoeira e lutou ao lado dos homens nos ataques sofridos pelo quilombo durante a história.... O Quilombo que ficava em Alagoas resistiu por mais de um século, sendo um importante símbolo da resistência contra a escravatura.
06 de fevereiro de 1694 – Dandara se joga do alto de uma pedreira... preferiu MORRER a privar-se da liberdade!
A outra Dandara... antes Clenilso... agora Dandara... Dandara Kettley, transexual... e o famoso caso DANDARA DOS SANTOS!
15 de fevereiro de 2017 – brutalmente espancada e executada a tiros no bairro Bom Jardim na cidade de Fortaleza/CE. A tortura foi gravada e os primeiros golpes que precederam a morte foram as palavras de ofensa à honra e à sua dignidade sexual... espancada até perder as forças, foi levada numa carriola até o local onde foi alvejada... os tiros que levaram ela à liberdade... à liberdade do sofrimento.
Tristes fins em busca pela liberdade.... a luta pela liberdade da mulher negra, escrava, sofrida, na luta incansável pelo direito de ser feliz, ser um igual. Semelhantemente, a luta de uma transexual, pela liberdade de ser vista com indiferença... ser vista como ser humano... a liberdade pela igualdade.
E nossa história pelo Direito vai voltar 72 anos, 1948. A Declaração Universal dos Direitos Humanos, o marco da conquista de valores do homem proclamada na cidade de Paris, em 10 de dezembro daquele ano.
E no primeiro artigo resta escrito “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade”. E o que aqui quero tratar... o Artigo 6º: “TODO SER HUMANO TEM O DIREITO DE SER, EM TODOS OS LUGARES, RECONHECIDO COMO PESSOA PERANTE A LEI”. Nesse sentido, temos todos o direito, antes de qualquer outra garantia, de EXISTIR, de ser igual, de agir igual, porque todos somos seres humanos.
O que se resume à música “É”, do Gonzaguinha, e aqui extraio algumas poucas linhas dela:
A gente quer viver pleno direito
A gente quer viver todo respeito
A gente quer viver uma nação
A gente quer é ser cidadão.
No Brasil, essa concepção universalista de direitos humanos foi incorporada apenas em 1988, com a nova Constituição Federal. A intenção constitucional de nos abastecer com direitos fundamentais justamente se dá com o objetivo de promover o bem de todos, sem qualquer preconceito, que resumidamente nos leva ao estado do BEM-ESTAR.... em outras palavras.... O DIREITO DE SER FELIZ.... O DIREITO À FELICIDADE!
No entanto, algumas disparidades podem ser extraídas daquilo que se considera o berço das garantias pátrias do cidadão brasileiro. A Carta Política, no artigo 226, § 3º, assevera como base da sociedade, com especial proteção do Estado, a família, “reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”.
Certo que o reconhecimento civil da união entre iguais foi elevada a outra condição, mas as marcas do tratamento diferenciado persistem! E outras inquietudes ecoam! Por qual razão a Constituição menciona o direito à licença-gestante e paternidade, esquecendo-se de falar expressamente da licença a casais gays em face da adoção de filhos? O reforço deste enlace não merece o mesmo tratamento?
Não podemos esquecer o contexto histórico e cultural ao qual foi concebida a Constituição Federal, há mais de 30 anos. No entanto, ao falar sobre felicidade, diante de um país que não enxerga todos como iguais, a necessidade de dar voz à luta para que uma gama maior de direitos sejam expressamente concretizados.
A própria Constituição Federal descreve no § 2º do artigo 5º que “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados”... justamente a abertura pelo alcance de manter os valores da dignidade humana a todos, indistintamente.
Pimenta Bueno já dizia: "Se o exercício bem regulado dos direitos políticos funda a liberdade política dos povos, o exercício bem regulado dos direitos civis funda a sua liberdade civil, o seu bem-ser. São os princípios vivificantes do homem; se a liberdade civil não existe, tudo o mais é uma mentira”.
E aqui justifica a necessidade de persistir ao alcance de direitos não expressos na Constituição diante das disparidades amargadas pelo esquecimento do legislador ou que tenha ganhado importância e relevo somente depois que ela foi promulgada.
Temos uma vasta gama de Projetos que se encontram travados na Câmara dos Deputados, por exemplo, o PL 580/2007 que atualmente está aguardando parecer do relator na Comissão de Seguridade Social e Família. Nesse projeto estão apensados inúmeros outros pleitos, mas que não evoluem na velocidade com que necessitam ser concretizadas as garantias de minorias que, em verdade, compõem interesses de uma grande parcela da população brasileira, ao qual almeja ser enxergada em semelhança aos demais cidadãos.
É nesse sentido que se deve retomar o discurso da prevalência do direito de EXISTIR, integralizando-se valores tal como na Carta das Nações Unidas. Trata-se de um direito transcendental, nas palavras de Scheler é justamente a autotranscendência que leva o homem continuamente para além do que já é e possui, propondo-lhe sempre novos objetivos e novas conquistas.
Assim, gostaria de deixar aqui não apenas uma reflexão, mas o apelo para que todos sejamos vozes ao alcance das liberdades para fins igualitários, até porque, como dizia o grupo Titãs:
A gente não quer só comida A gente quer comida, diversão e arte A gente não quer só comida A gente quer saída para qualquer parte
A gente não quer só comida A gente quer bebida, diversão, balé A gente não quer só comida A gente quer a vida como a vida quer.
Se a igualdade é para todos, a felicidade também o é.
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